top of page

Desemprego, crise amorosa, vício em drogas: novas terapias em grupo

Troca de experiências entre participantes gera superação através da empatia

RIO — Numa roda, pessoas com angústias semelhantes trocam experiências que as levam a refletir sobre seus problemas e sobre como superá-los. Rapidamente, os participantes se dão conta de que não estão sozinhos, nem são os únicos a passar por aquela situação, o que costuma trazer alívio e renovar as forças. É apostando nessas premissas que psicólogos têm criado novas terapias em grupo, cujos temas podem ser a perda do emprego, dificuldades no relacionamento ou o vício em drogas. Situações que podem levar a outros males, como ansiedade, depressão e baixa autoestima.

A Associação Beneficente Mãe Capitulina (ABMC), no Recreio, criou, este mês, um grupo de apoio psicológico para desempregados, com reuniões gratuitas às quintas-feiras. Entre os agravantes, a falta de informação e o tabu, cenário que fez a Organização Mundial da Saúde escolher o transtorno como tema deste ano do Dia Mundial da Saúde, 7 de abril. A data inspirou um calendário com atividades e atendimentos gratuitos na entidade.

Segundo especialistas, a elevação da taxa de estresse pode começar já a partir do temor de se perder o emprego. Quando isso de fato acontece, sucedem-se etapas como reclusão, estresse elevado, desânimo e, em última instância, depressão. Foi assim com Flávia da Silva Daniel, quando perdeu o emprego de faturista em um laboratório. A empresa alegou que o motivo era a necessidade de reduzir a equipe, mas nem isso a consolou. Três semanas após o desligamento, seu comportamento começou a mudar drasticamente.

— Não queria fazer mais nada. Ficava nervosa, sem paciência. Meus filhos me perguntavam qualquer coisa e eu explodia. Chegou um momento em que eu queria morrer. Fui me afastando da família, ganhei peso, meu cabelo estava caindo. Tinha me candidatado a uma vaga de auxiliar de serviços gerais e não tive resposta, o que me levou a pensar que não servia para nada — conta. — Soube do grupo e vim até aqui. Ouvindo os depoimentos de colegas que passaram por coisas piores, fui recuperando a autoestima e a confiança.

A reação de Juliana Bencardino foi semelhante. Ela já tomava remédios para dores no corpo quando era gerente de contas de uma grande empresa, mas se sentiu ainda pior quando foi demitida e passou seis meses sem conseguir uma nova ocupação.

— Entrei em pânico. Foi uma perda de identidade. Precisei de acompanhamento psicológico e psiquiátrico, com medicação, por mais de um ano. Foi quando consegui iniciar uma autoanálise, algo que trabalhamos muito no grupo, e vi uma forma de quebrar o ciclo vicioso em que estava — diz Juliana, que usou a experiência para se reinventar e se tornou analista de crise para empresas.

A psicóloga Regina Rangel, responsável pela mediação do grupo, diz que, embora cada um reaja de uma forma à demissão, sempre há pontos em comum.

— Muitas pessoas demoram a procurar ajuda porque sentem vergonha, tanto de fazer tratamento psicológico como de contar que estão sem emprego. Elas se veem como improdutivas. Tem gente que fica paralisada, e a inércia é um catalisador do quadro depressivo — diz a psicóloga. — É preciso aprender a lidar com os sentimentos. Além dos grupos, a família é uma rede de proteção.

Problemas amorosos também podem ter efeitos devastadores. Foi essa percepção que motivou a life coach Ludmila Brum e a psicóloga Claudia Oliveira a unirem forças num curso de coaching de relacionamento, no Pachamama Spa, no Recreio. A dupla vai abordar, em dez encontros semanais, a partir do dia 8, como ter uma vida a dois mais equilibrada. E isso vale para solteiros, casados e separados. O primeiro passo é uma entrevista individual com cada inscrito, a fim de saber qual o seu objetivo.

— Num casal, por exemplo, pode ser que um queira permanecer e outro sair do relacionamento. Usamos algumas técnicas para que cada pessoa possa identificar o que realmente quer — diz Ludmila.

Claudia acrescenta que é preciso estar disposto a responder a questões sobre temas como autoestima, foco, ansiedade, valores e autoconhecimento:

— Para que o processo funcione, é fundamental que se esteja disponível e comprometido com ele. O segundo ponto é avaliar os sentimentos. O que existe e o que se busca?

Disposto a sacudir a rotina após 18 anos de casamento, Artur Henriques já se inscreveu no curso.

— É bom procurar uma alternativa. Em tanto tempo de casado as coisas se desgastam. A expectativa é buscar informações para despertar o que ficou adormecido, reacendendo o relacionamento — diz.

Ana Paula Cucco buscou o curso pelo mesmo motivo.

— Tenho 20 anos de relacionamento. Quero quebrar o que está preestabelecido. Quero enxergar o novo, parar de repetir os mesmos erros — diz.

DAY CLINIC

No início da tarde, um grupo de jovens se reúne numa das salas do Núcleo Integrado, no Recreio. O espaço de atendimentos, voltado para tratamento e prevenção de transtornos do impulso, recebe pacientes para o day clinic. A modalidade voltada para dependentes químicos é composta pelas atividades regulares habituais de uma internação, mas permite que o paciente mantenha sua rotina, a escola e o convívio social e familiar.

O ambulatório de dependência química funciona no centro há dez anos. Mas foi este mês que o day clinic passou a ter turmas somente para jovens. A agenda do grupo, que pode ser de dois turnos, inclui ioga, meditação, técnicas de mindfulness, prevenção de recaída e motivação para abstinência.

A psicóloga responsável pelo núcleo, Ana Café, pontua as dificuldades anteriores ao tratamento, na fase em que muitos pais resistem a acreditar na dependência. A demora em buscar auxílio profissional acarreta o agravamento do quadro.

A equipe do GLOBO-Barra entrevistou três jovens participantes do day clinic. A história de L., de 21 anos, mostra que não é preciso deixar o conforto do condomínio ou da escola para estar próximo às drogas. Foi aos 13 anos que o jovem fumou maconha pela primeira fez. O que considerava um passatempo aos poucos imprimiu efeito em toda a sua vida.

Primeiro, foi o afastamento dos amigos que não se drogavam. Depois, a falta de paciência para as aulas. Um dia, foi detido na Rocinha com maconha. A mãe acreditou que fora apenas um mal-entendido. Daí vieram a venda de drogas dentro da própria escola, o abandono dos estudos e o vício em cocaína e, depois, crack. Aos 15 anos, ele foi detido pela primeira vez por tráfico. A partir daí, alternava internações para tentar se recuperar, cinco no total, com a ociosidade nas ruas.

Prestes a completar dois anos de tratamento interruptos, L. hoje estuda para atuar em centros de reabilitação.

— Chorei ao pegar o diploma do primeiro curso necessário. Nunca imaginei que seria capaz de ficar sentado estudando; não queria nada mais além das drogas. Aqui encontrei um grupo de mútua ajuda de valor inestimável — diz L.

Foi em casa, aos 8 anos, que A., por sua vez, experimentou álcool pela primeira vez, tomando sobras de cerveja dos copos dos adultos. Três anos depois, usou maconha por não ter sabido como recusar a oferta de uma amiga cinco anos mais velha. A cocaína veio em seguida, o que a levou à primeira de cinco internações.

Aos 12 anos, ela começou a frequentar bailes comandados pelo tráfico. Numa ocasião, sofreu abuso sexual por um grupo de homens, episódio do qual não se recorda com clareza. O pai ainda hoje luta contra o álcool, e eram os avós quem insistiam que ela se tratasse. Hoje, aos 14 anos, livre das drogas ilícitas há quase dois anos e do álcool há dois meses, A. diz-se comprometida com sua recuperação.

— Hoje, vejo que o tratamento me afasta de algo que me faz mal — resume.

No caso de X., de 19 anos, um catalisador é a Síndrome de Borderline, na qual é grande a instabilidade emocional. Os surtos faziam com que se mutilasse desde os 13 anos. Dois anos depois, o abuso de álcool e maconha era constante.

No ano passado, uma internação a manteve afastada das drogas por seis meses. Em dezembro, durante um surto, porém, tomou remédios em excesso. Foi salva porque contou há tempo o que tinha feito para o terapeuta e o melhor amigo. Atualmente em tratamento para a síndrome e a dependência, vê a vida de outra maneira:

— Sempre quis muito ser livre. Depois, vi que era a droga que me aprisionava. Hoje, tenho a liberdade que sempre quis. E sinto amor ao meu redor. Não preciso me mutilar.

Especialista em dependência química e chefe do setor de dependência química e outros transtornos do impulso da Santa Casa da Misericórdia no Rio, Analice Gigliotti indica o day clinic como tratamento somente após avaliação criteriosa. No Espaço Clif, onde trabalha, são observados pontos como presença de transtornos psiquiátricos, presença ou ausência de apoio, grau de motivação e risco de recaídas.

— Se a pessoa tem um bom suporte social, está motivada para se tratar e não apresenta qualquer risco de morte, de recaída ou síndrome de abstinência, o tratamento ambulatorial é indicado — observa.

DEU NA MÍDIA
ÚLTIMAS NOTÍCIAS
Arquivo
bottom of page